sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A regra de reajuste do salário mínimo



Todo mundo acompanhou o debate travado no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) para aprovar o novo salário mínimo. De acordo com o art. 7º, IV, CF, a fixação do salário mínimo deve ser feita por lei. Quando a Constituição Federal fala em lei, tem-se que a exigência é de ato normativo elaborado pelo Poder Legislativo. As leis, editadas pelo Legislativo, são chamadas de atos normativos primários, ou seja, aqueles que podem inovar no ordenamento jurídico. As normas feitas pelo Poder Executivo, em regra, apenas regulamentam as leis, para dar-lhes fiel execução - usando-se a expressão do art. 84, IV, CF. Por conta disso, essas normas do Poder Executivo são atos normativos secundários ou infralegais. Não podem, em geral, inovar no ordenamento jurídico.
Na lei que aprovou o salário mínimo há um artigo que autoriza a Presidente da República a realizar os ajustes mediante decreto presidencial. Índices servirão de parâmetro para a correção do salário nos próximos quantro anos, observando-se uma fórmula que vai considerar a inflação e a variação do Produto Interno Bruto (PIB).  Trata-se da indexação do salário mínimo.
Por ser o decreto um ato normativo secundário - que não inova o sistema normativo - a oposição e muitos juristas importantes estão entendendo como inconstitucional a regra sobre os reajustes. 
Embora eu reconheça que o tema provoque muita divergência na doutrina constitucional, vejo que é possível sustentar a validade da regra. Os índices para o reajuste estão clara e objetivamente definidos na lei,  proveniente do Poder Legislativo. Nos próximos anos, a presidente irá corrigir o valor adotando os índices mencionados, por meio de cálculo matemático, que qualquer pessoa vai poder fazer. Não há e nem haverá qualquer surpresa para a sociedade. Não haverá novidade nos decretos do Poder Executivo, porque, em respeito à segurança jurídica, as regras estão previamente estabelecidas em lei formal. Assim, não entendo que haverá violação ao princípio da separação dos poderes. E mais: a norma irá evitar todo o desgaste e a chatice existentes no debate parlamentar, especialmente o protagonizado pela oposição numa postura apenas pra inglês ver. Como se viu nas discussões na Câmara e no Senado, o PSDB e o DEM, quando estiveram no governo, deram aumentos bem inferiores aos aprovados no governo Lula. Aliás, o salário mínimo tem chegado a valores nunca vistos antes no Brasil, e a perspectiva é de atingir 400 dólares até 2015. Certamente a oposição irá ao STF pedir a inconstitucionalidade da regra da correção. Eu aposto que não cairá. Vejamos o desfecho.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011











Uma reportagem de ontem, exibida pelo Fantástico, me chamou muito a atenção. Contou-se a história de três professoras paulistas que eram temporárias e, aprovadas em concurso público para cargo efetivo, não puderam tomar posse. Depois de muita peleja, é que elas conseguiram saber o porquê da não investidura no cargo: obesidade.

Isso tudo me fez refletir e desabafar sobre o tema Concursos Públicos no Brasil. Sabe-se que o ingresso em emprego púbico ou cargo efetivo depende de prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, CF). É assim evidentemente para se evitar privilégio e apadrinhamento como critério para a ocupação de cargos públicos. Essa exigência presta homenagem aos princípios da moralidade, igualdade e impessoalidade: valores inafastáveis num Estado Democrático de Direito. Durante muito tempo, porém, a entrada no serviço público era um festival de troca de favores, algo que infelizmente ainda acontece muito no Brasil. A regra é o concurso público. A prova é imprescindível para os cargos efetivos, aqueles de atividades permanentes prestadas pelo estado: Saúde, Educação, Segurança Pública, Fisco etc.

Há duas exceções importantes. Os cargos de direção, chefia e assessoramento, chamados em comissão (art. 37, II, última parte, CF), são de livre nomeação e exoneração pela autoridade nomeante. Cuida-se daqueles clássicos cargos de natureza política: ministros, secretários, assessores, chefes de gabinete etc. O exercício da função baseia-se na confiança. A outra é a possibilidade de provisoriamente serem nomeados funcionários temporários, em caso de excepcional interesse público (art. 37, IX, CF).

Apesar das regras constitucionais tão bem definidas, há uma enormidade de abusos nos certames públicos, destacando-se as recorrentes notícias das famigeradas fraudes ocorridas nos concursos. Além disso, os governos e as entidades que organizam os concursos sempre violam a Constituição Federal. Os cargos, os requisitos e as atribuições devem estar previstos em lei formal, aquela proveniente do Poder Legislativo. Não pode ser decreto, portaria ou outro ato normativo infralegal. Para se ter uma idéia, somente é possível limitar idade, altura – e até o peso – se houver previsão legal e se o cargo comportar tais restrições, como se dá geralmente nas atribuições ligadas à Segurança Pública ou Forças Armadas, porque a atuação desses agentes públicos exige, sem dúvida, atributos físicos diferenciados. Veja a jurisprudência do STF e STJ acerca do assunto:

Súmula 683 do STF: O limite de idade para inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º , XXX , da Constituição , quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser pretendido.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. FORÇAS ARMADAS. LIMITAÇÃO DE IDADE. PREVISÃO EM REGULAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL QUE FIXE O LIMITE ETÁRIO. PRECEDENTES DESTA C. CORTE E DO E. STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
A limitação de idade em concurso público para ingresso às Forças Armadas é válida, desde que prevista em lei em sentido formal, não se mostrando compatível com o ordenamento jurídico a limitação etária prevista apenas em regulamento ou no edital do certame. Precedentes desta c. Corte e do e. Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental desprovido.(AgRg no REsp 946.264/SC, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 18/08/2008.)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. FORÇAS ARMADAS. CONCURSO PÚBLICO. LIMITE DE IDADE. PREVISÃO EM LEI. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. É válida a limitação de idade em concurso público para ingresso às Forças Armadas, desde que prevista em lei em sentido formal. Precedentes. 2. Agravo desprovido.” (AgRg no REsp 748.271/RS, 5.ª Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe de 09/02/2009.)

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ALTURA MÍNIMA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. 1. Somente lei formal pode impor condições para o preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 627586 AgR / BA - BAHIA; AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO; Relator (a): Min. EROS GRAU; Julgamento: 27/11/2007; Órgão Julgador: Segunda Turma)

O princípio da  legalidade (art. 5º, II, CF) é considerado a maior proteção conferida aos particulares em face dos abusos cometidos pelo estado.  Como se sabe, os atos públicos devem ser vinculados à lei.  Assim, o que não está na lei e no edital não pode ser exigido dos candidatos. Desse modo, a vinculação ao instrumento convocatório (Edital) possui assento constitucional, uma vez que configura faceta inegável do princípio da legalidade, visualizado na perspectiva de que a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei determina. Aqui entram também outras exigências muito comuns em concurso público: testes físico e psicotécnico. A propósito veja o que tem decidido o STF:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. EXIGÊNCIA DO EDITAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA RAZOABILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. - É possível ao Poder Judiciário declarar a ilegalidade dos atos administrativos, pois é incumbência do Judiciário analisar limites de proporcionalidade e razoabilidade dos atos praticados pelo Administrador. - Como não pode a Administração restringir direitos sem autorização legislativa, eivado de nulidade encontra-se o desarrazoada teste de capacitação física realizado sem amparo legal e que reprovou os candidatos impetrantes (RE 447.392-5-PB, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 21.06.2005).

Trata-se de recurso extraordinário, alínea a, interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão que concedeu a segurança para garantir a continuidade dos candidatos no concurso público para o provimento do cargo de delegado de polícia estadual. O aresto recorrido fundamentou que o exame de aptidão física, em que os recorridos foram eliminados do certame, é ilegal e abusivo, uma vez que, apesar de disposto em edital, não está previsto na Lei estadual 6.124/94 - Estatuto do Policial Civil do Estado do Maranhão. 4. Ainda que superado tais óbices, o recurso não merece prosperar, pois, em caso semelhante, o STF, no julgamento do RE 344.833/MA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 27.06.2003, assentou que não viola o art. 37, I, da CF/88 a decisão que considera abusiva a exigência de exame físico em concurso público sem substrato fático e jurídico. (Min. ELLEN GRACIE, decisão publicada no DJ de 20/09/2005, p. 00072, no RE 248.515-2 – MA).

Outra ilegalidade muito encontrada é a violação ao princípio do devido processo legal. É comum ver editais de concurso público que não prevêem a possibilidade de recurso na primeira ou segunda fase, nem o acesso às provas ou a qualquer outro documento. Trata-se de inegável afronta ao devido processo legal, do qual decorrem outros dois preceitos fundamentais: a ampla defesa e o contraditório. Sobre o devido processo legal em procedimento administrativo assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

O entendimento desta Corte é no sentido de que o princípio do devido processo legal, de acordo com o texto constitucional, também se aplica aos procedimentos administrativos. (AI 592.340-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 20-11-07, DJ de 14-12-07)

O caso das professoras de São Paulo revela-se de maior gravidade. Primeiro: Seguramente não há lei definindo limite de peso para a investidura no cargo de professor, porque isso não teria sentido, uma vez que o cargo não exige grande mobilidade física ou desenvoltura de atleta. Segundo: Não foi dada publicidade ao indeferimento da posse. Terceiro: não motivaram (fundamentaram) o indeferimento, numa evidente violação à ampla defesa e à segurança jurídica, na perspectiva da necessidade de fundamentação das decisões emanadas pelo Poder Público (art. 93, IX, CF). Enfim, o episódio envolvendo as professoras paulistas é uma aberração, uma excrescência jurídica, vinda do tão importante e poderoso estado de São Paulo. Lamentável.