segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Artificial


















É fim de ano, época em que se renovam as esperanças e são desejados os mais belos sentimentos e coisas boas a todo mundo. É um festival de 'Boas Festas',  Feliz Natal', 'Próspero Ano Novo', 'Muita paz e saúde'. É sempre assim e já li muita gente criticando isso devido ao artificialismo evidente nessas saudações. Vou falar disso também. É lamentável, mas vejo esse artificialismo o tempo todo, durante o ano inteiro, cada vez mais, talvez porque cresci, sou adulto, e vivo com gente, nessa correira do dia-a-dia. Muitos defendem, porém, que antigamente as relações eram mais verdadeiras. Sei não. Pode ter piorado, mas a essência do ser humano é individualista, egoísta. Já acreditei mais nas pessoas, mas tenho notado que não dá mesmo para confiar em alguém com mais de 30 anos, como diz a música dos Titãs. A vida é feita de um catálogo de protocolos para cada situação. Há previamente definidos os comportamentos para as situações diversas da vida, sempre sob a ótica do politicamente correto. Não se pode arredar o pé. O recomendado é assim ou assado.
 Desse modo, parecem ser cada vez menos sinceras as saudações mencionadas acima. E o pior: a compra dos brinquedos para as crianças, a doação de cestas básicas, a entrega ou o depósito do dinheiro para uma instituição beneficente, tudo isso soa muito mais artificial, mentiroso. As pessoas querem mesmo saber delas, do seu umbigo. Até os cumprimentos mais triviais do cotidiano são superficiais. A gente vê as pessoas sequer respondendo ao bom dia. Aliás, é muito comum duas pessoas se encontrarem e ambas perguntarem: Tudo bem? Ninguém reponde nada. Fica nisso.  É raro, mas, quando param para conversar um pouco mais, uma fala e a outra olha mil vezes o telefone e cumprimenta todos que passam ao lado, sem perder, ademais, qualquer ruído ouvido à esquerda ou à direita. Ninguém liga pra ninguém, pra nada. É uma festa de hipocrisia. A gente joga pra torcida. É só pra inglês ver, como se costuma dizer. Interesse não há. Ou melhor: é raro existir algum verdadeiro. Se me interesso, fico atento, me aproximo, sou simpático, é porque pretendo alguma vantagem. A vida impõe esse artificialismo. Ninguém diz a verdade. Quem é autêntico demais não tem muito espaço. Prega-se a postura do 'politicão'. É fácil: é só falar o que o outro quer ouvir, elogiar sempre: 'amigão, gente boa, um grande talento'. É temerário dizer de cara que alguém é chato ou bandido, mas é igualmente perigoso dizer que a pessoa é honesta, talentosa ou educada. Vai conhecer melhor pra ver o que é bom pra tosse. A música dos Titãs, portanto, faz cada vez mais sentido.

32 dentes (Branco Mello/ Marcelo Fromer/ Sergio Britto)


Eu nunca mais vou dizer o que realmente penso
Eu nunca mais vou dizer o que realmente sinto
Eu juro Eu juro (por Deus)
Não confio em ninguém
Não confio em ninguém
Não confio em ninguém com mais de 30
Não confio em ninguém com 32 Dentes
(Meu pai um dia me falou pra que eu nunca mentisse
Mas ele se esqueceu de dizer a verdade)
Eu nunca mais vou dizer o que realmente penso
Eu nunca mais vou dizer o que realmente sinto
Eu juro Eu juro (por Deus)
Não confio em ninguém
Não confio em ninguém
Não confio em ninguém com mais de 30
Não confio em ninguém com 32 Dentes
Eu nao sei fazer música, mas eu faço
Eu nao sei cantar as músicas que faço, mas eu canto
Ninguém sabe nada (4x)

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

E quando a regra é clara?






















As idéias que lançarei nesse post não são minhas. Inspirei-me em textos do juiz federal George Marmelstein Lima (http://www.direitosfundamentais.net/).
Sabe-se que a existência de um sistema normativo, com regras gerais, abstratas e impessoais, vocaciona-se a proporcionar a tão falada 'segurança jurídica'. Os preceitos previamente definidos em lei pretendem garantir as respostas para os conflitos, numa tentativa de promover igualdade, uma vez que teoricamente os casos iguais serão decididos da mesma maneira. Como não podia ser diferente, as normas são imperativas, cogentes, ou seja, impõe-se a sua observância. Trata-se de decisões tomadas pelos nossos representantes. Cuida-se de comportamentos - aprovados ou censurados - eleitos pelo povo por meio do Parlamento, na faceta mais importante das Repúblicas Democráticas (Todo poder emana do povo). Tem-se, além disso, como instrumento para a resolução dos conflitos, a jurisprudência, que é a maturação de decisões tomadas pelos tribunais. É o entendimento repetido e concretizado tido a partir de julgamentos de casos concretos iguais ou semelhantes. Hoje vê-se que a jurisprudência vem ganhando extrema força, sobretudo quando se fala nos tribunais superiores e nos enunciados vinculantes. Assim, temos ao menos dois institutos de que se valem os juízes para a solução dos casos a eles submetidos. A pergunta é: Pode o juiz se afastar do comando legal ou da jurisprudência dominante?
Marmelstein ensina que as leis e os precedentes não são simples orientações ou sugestões, de modo que, em geral, os juízes devem ter deferência a eles, aplicando-os, quase que matematicamente,  ao caso concreto. Ele defende que esses comandos - legal ou jurisprudencial - não são meros topois argumentativos. São valores experimentados que merecem ser considerados. Afastá-los não é coisa simples. O ideal, o esperado, é a observância deles. Do contrário, todo o sistema normativo perde sentido. Desse modo, quando for encontrada a resposta no ordenamento jurídico, não pode o juiz deixar de aplicá-la. Quem bom fosse sempre assim. Mas, na verdade, existem muitas leis ruins, injustas, desproporcionais. E são, por conta disso, inconstitucionais. Ainda assim, não é fácil ao juiz arredar a sua aplicação. No controle de constitucionalidade, pode o juiz deixar de aplicar uma lei por reputá-la inconstitucional. Como vivemos a onda da 'teoria dos princípios', em que se vê a todo instante um princípio violado, parece ser fácil dizer 'não observo a lei, porque ela viola a dignidade humana ou a  proporcionalidade'. George alerta para essa banalização da fundamentação. Para se decidir pela não incidência de um regra aparentemente cabível a um caso concreto, deve-se exaustivamente demonstrar a sua inconstitucionalidade ou impertinência. O mesmo vale para a jurisprudência. É mais prudente seguir a orientação pretoriana. Ocorre, porém - é bom destacar - que nem sempre a lei ou o precedente vai trazer a melhor resposta. É preciso ter a coragem de superar o precedente ou vê-lo como incabível, bem como declarar a inconstitucionalidade de uma lei, em homenagem à Constituição e à Justiça. É só.