domingo, 28 de fevereiro de 2010

O Bolão, a Lotérica e a Caixa


















Não resisti e resolvi escrever um pouquinho sobre o fato ocorrido em Novo Hamburgo-RS, onde um grupo de amigos, como se pratica em todo Brasil, fez um bolão para participar da Mega-Sena. As pessoas participantes do bolão acertaram os números que foram sorteados. Estavam certas de que iriam ganhar uma bolada. Ocorre, entretanto, que a funcionária da lotérica 'esqueceu' (A Polícia está sustentando a prática de crime de estelionato) de registrar a aposta. Isso, por óbvio, gerou muita confusão e notícia na TV e na internet o tempo todo. Conversei com alguns amigos e com o meu pai há pouco sobre a quem atribuir a responsabilidade. Penso assim. A Caixa Econômica Federal é uma Empresa Pública Federal, entidade da Administração Pública Indireta da União. Ela tem personalidade jurídica própria, é pessoa jurídica distinta da União. Responde, assim, pelos seus atos. A CEF permite que particulares, as lotéricas, prestem o seu serviço, o que se dá por meio de um delegação formal. Por outro lado, uma lotérica deve sempre ser constituída como pessoa jurídica, também evidentemente responsável pelos seus atos. Deve-se observar, como dito, que as lotéricas prestam o serviço como se a própria CEF o prestasse. Há uma expressão latina que evidencia bem isso: longa manus, que significa mão longa, ou seja, a lotérica age como se fosse uma extensão da empresa pública. É inegável que, nesse caso, a responsabilidade maior é da lotérica, mas é impossível não se cogitar, ainda que subsidiariamente, na responsabilidade da Caixa, a quem deve caber realizar frequentemente fiscalização e, quando cabível, aplicar sanções às lotéricas que não se comportam a contento. Incabível é alegar que 'bolão' é algo que oficialmente não existe. Nunca ouvi notícia de punição aplicada pela Caixa a lotéricas em razão desse comportamento. O que existiu, na verdade, foi a efetiva entrega na lotérica dos jogos feitos por aquelas pessoas. Penso que os gaúchos prejudicados devem 'sapecar' como réus na ação judicial tanto a lotérica quanto a Caixa Econômica Federal. Há outro detalhe: o dano é material (52 milhões de reais), ainda que se possa pedir também o dano moral (o abalo emocional experimentado pelos jogadores). E mais: a relação é de consumo e a responsabilidade é objetiva. Por consequência, não se discute, não se apura culpa, em qualquer de suas modalidades (dolo, negligência, imperícia ou imprudência). Exige-se apenas a prova da conduta (omissão), do dano e da relação de causa, o que está mais do que comprovado. Só lamento aos autores da ação, porque a gente conhece a 'celeridade' do nosso Poder Judiciário. Desejo a eles uma boa aventura épica! É isso.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Piadinhas de sexta-feira





















01) O Tribunal
Um homem espera o dia inteiro num tribunal de trânsito para que seu caso seja julgado. Quando finalmente chega a sua vez de se apresentar perante o juiz, o juiz diz que ele vai ter que voltar no dia seguinte porque os trabalhos estão encerrados naquele dia. Irritado, o homem explode: "Mas por que diabos...?"
O juiz explode de volta: "Multa de quarenta reais por desrespeito ao tribunal!"
O homem tira a carteira do bolso. O juiz fala: "Não precisa pagar hoje. "O homem responde: "Estou só vendo se tenho dinheiro para dizer mais três ou quatro palavras."
02) O crime da sogra
A velha foi flagrada no supermercado furtando uma lata de pêssego em calda. No fórum, o juiz lhe disse: "Quantos pêssegos tem numa lata de pêssego dessas? Ela responde: "Acho que uns cinco, doutor". O juiz continua: "Então, como se trata de um crime de menor potencial ofensivo, a senhora vai ficar presa por cinco dias". O genro, atento à decisão do juiz, acrescenta. "Doutor, eu gostaria de registrar que ela furtou também uma latinha de ervilha..."
03) A mulher pescadora
A mulher e o marido vão pescar no período do 'defeso', época na qual é proibida a pesca. Enquanto o marido arruma as coisas e monta a barraca, a esposa fica lendo dentro do barco onde estão todos os equipamentos de pesca. De repente, chega o fiscal do IBAMA e diz a ela: " A senhora será multada por estar pescando durante o defeso". Ela responde: Mas eu não estou pescando, oras!" O fiscal retruca: "Mas está com todos os equipamentos aí!". A mulher rebate dizendo: "Então eu vou processar o senhor por estupro!". O homem diz: "Mas eu não fiz nada!". Ela arremata: "Mas tem todos os equipamentos aí!"

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O UFC é inconstitucional!















Tenho pensado nesse assunto faz tempo. Até já conversei com alguns amigos sobre a legitimidade dessas lutas Vale-Tudo. Chamam também o 'esporte' de UFC, que significa Ultimate Fighting Championship. Trata-se de uma organização internacional de Artes Marciais Mistas. Pelo que acabei de ler no sítio http://br.ufc.com/, a modalidade Vale-Tudo foi idealizada no Brasil. Pois bem. Acredito que todo mundo já viu pela TV alguma luta dessas. É inegável que são absolutamente muito violentas. Embora eu nunca tenha lido ou ouvido alguém sustentar que a luta é inconstitucional, certamente essa tese já tenha sido defendida. Vou fundamentar essa minha afirmação. Como se sabe, a partir do século XVIII, o Estado de Direito foi concebido em resposta aos estados absolutistas e opressores. Cuidou-se de uma ruptura entre modelos de estados com poderes ilimitados, nos quais havia enorme violação dos direitos dos particulares. O Estado de Direito colocou o princípio da legalidade como o maior valor. As restrições ao modo de vida dos cidadãos deveriam sempre estar contidas em leis, democraticamente elaboradas. Esta é, sem dúvida, a maior conquista dos povos nos estados democráticos de direito. Modernamente, o princípio da legalidade permanece como uma das maiores proteções que o cidadão tem em face do estado. Com isso, pode-se afirmar que o princípio da liberdade ganhou muito, porque as limitações deveriam estar previstas em lei. Por isso que, ainda hoje, quando se fala em legalidade, diz-se que: o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Por outro lado, para o Estado, a legalidade implica geralmente vinculação estrita às leis, só podendo fazer o que a lei lhe permite. Essa evolução veio ao encontro dos interesses da burguesia, a qual se fortalecia enormemente naquele período, sobretudo na defesa do direito à propriedade. O Estado veio ganhando cortornos liberais, ou seja, privilegiava-se a liberdade dos particulares, pouco podendo o Estado intervir nas relações privadas. Cunhou-se até a velha expressão francesa "laissez faire, laissez passer", cujo significado, usado até os dias de hoje, é "deixa fazer, deixa passar". Algo que tem muita importância aos estados liberais, especialmente quando se fala em economia. No século XX foram cometidos horrores incontáveis (discriminação racial, golpes, guerras, holocausto), invocando-se sempre o princípio da legalidade. Vivia-se a realidade jurídica chamada Positivismo. Dizem os constitucionalistas que isso foi a "banalização do mal" sob o manto da legalidade. Por meio da lei se podia tudo. Não se examinava o conteúdo ético da lei, que mecanicamente era sempre observada. Nesse contexto, o Direito Constitucional, notadamente após a Segunda Guerra Mundial, se reformulou a partir da compreensão de que as normas constitucionais, com todo o seu caráter axiológico, deveriam ocupar o centro do sistema normativo, com força vinculante. A Alemanha talvez tenha sido o estado que mais colaborou com essa nova perspectiva de ver a Constituição, certamente em razão das experiências amargas da guerra e do holocausto.


















Percebeu-se que o legislador e a lei não podem tudo. E mais. Há algum tempo se afirma: os particulares, em suas relações privadas, também não podem tudo. Os direitos fundamentais começaram a servir de proteção ao particular numa relação vertical em face do Estado. O Estado não podia oprimir o particular a pretexto de cumprir leis que eram inconstitucionais, pois violavam valores maiores da Constituição, como igualdade, ampla defesa, dignidade da pessoa humana. Os direitos fundamentais, modernamente, não se revelam apenas proteção do cidadão em relação ao Estado. Eles têm uma força irradiante e uma dimensão objetiva em toda a sociedade, até mesmo nas ações puramente privadas. Fala-se hoje em "Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais". A aplicação não é só vertical - Particular X Estado. É também horizontal - Particular X Particular. Por conta disso que nem sempre vale o que se estabelece nos contratos. Defendem-se agora a boa-fé objetiva e a função social nas relações contratuais. Pensa-se na integridade física e moral das pessoas, na igualdade material dos contratantes, no meio ambiente etc. Temos regras protetivas importantes para as relações interpessoais no Direito Civil, no Direito do Consumidor e no Direito do Trabalho. Assim, vê-se que a liberdade ou a autonomia da vontade não é absoluta. Há limites constitucionais. Hoje, como defende Luiz Flávio Gomes, o Estado é Constitucional e Humanista de Direito. Na França, em 2002, foi proibida uma brincadeira praticada nas danceterias e boates, que consisitia no lançamento de anões. O pequeninos usavam um capacetinho, uma roupa acolchoada e eram lançados em colchões no canto da parede. Entendeu-se que a prática violava a dignidade dos anões. É bom que se diga: A decisão da Suprema Corte francesa contrariou a vontade dos anões.















No Brasil, para se ter uma idéia, para a exclusão de um associado de uma associação particular, deve-se dar a ele devido processo legal, ampla defesa e contraditório (STF - RE 201819/RJ). Além disso, como se sabe, foi proibida a 'briga de galo', a rinha (ADI 3776-RN e ADI 2514-RJ). O STF também entendeu inconstitucional a chamada 'farra do boi' (RE 153.531-8Q/SC). Em ambos os casos, decidiram os ministros que tais práticas constitutem crime de maus-tratos aos animais, previsto no art. 32 da Lei de Crimes Ambientais. Repito a premissa: Os particulares não podem tudo. Se não se permitem maus-tratos contra os animais, que dirá aos seres humanos. Alguém pode perguntar: e o boxe? O boxe tem regras suficientes e razoáveis, as quais, em geral, são seguidas e não permitem a lavagem do ringue com sangue. Quando o árbitro percebe qualquer lesão, já interrompe o combate. É raríssimo se ver sangue nas competições. E digo de novo. Existem regras! No Vale-Tudo, valem socos, chutes, joelhadas, cotoveladas e sangue, muito sangue. Os competidores são coisificados, tornam-se objetos, animais. Aliás, a fisionomia dos atletas é de animais. Para dizer o mínimo, o indivíduo, quando pratica a luta ou entra na competição, abre mão de sua integridade física. Os direitos fundamentais são indisponíveis. Não se abre mão da dignidade humana, do mínimo que seja. A vedação à prática da luta pode ser extraída diretamente da Constituição e dos seus princípios. Nos estados com o perfil constitucional do Brasil, devo dizer: a luta Vale-Tudo é inconstitucional! O que você acha?


















quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Intervenção no Distrito Federal






















Agora a notícia do momento é o pedido de intervenção federal no Distrito Federal, apresentado no STF pelo Procurador-Geral da República. Cada vez mais a imprensa apresenta questões jurídicas das mais técnicas para o público leigo. Mal ou bem faz o seu papel de noticiar fatos importantes do mundo jurídico, político e econômico. Mas, em geral, divulga os fatos de modo muito simplista. Vou tentar esclarecer aqui o que é a intervenção federal e quais suas implicações. O Brasil adotou a federação como forma de estado. Isso significa dizer que, no terrritório brasileiro, existem vários núcleos de poder político: União, Estados, o Distrito Federal e Municípios. O que importa dizer é que esses entes da federação gozam de autonomia, ou seja, a existência de poderes, tributos e orçamento próprios. A União, a República Federativa do Brasil, goza de soberania (o Poder, pertencente ao povo, que é a essência da democracia representativa republicana) e os demais entes federados, como dito, possuem autonomia, algo que é menos do que soberania. O Presidente da República, além de chefe do Governo Federal, é chefe de Estado, atribuição em que ele fala em nome da soberania nacional. Isso se revela, por exemplo, quando ele estabelece relações internacionais, celebra tratados internacionais e decreta intervenção federal. É a República, a soberania brasileira falando. Quando se fala em intervenção, significa dizer que o ente da federação autônomo perderá a sua autonomia, em razão da tamanha gravidade da situação vivida. Intervenção é a antítese de Autonomia. É o contrário. Trata-se de medida extremada e, assim, excepcional. Revela um quadro de anormalidade. Deve-se sempre tentar resolver o problema pelas vias ordinárias, evitando-se sempre a adoção de alternativa tão gravosa para o ente da federação. Existem hipóteses expressas na Constituição para a decretação de intervenção federal. As hipóteses estão no artigo 34 da Constituição Federal. Para se saber todo o procedimento, confronte este dispositivo com o art. 36 da Lei Fundamental. No caso do Distrito Federal, a questão é ainda mais delicada e complexa, porque se cuida da chamada Ação Direta de Inconstitucionalidade Interventiva (ADI Interventiva), quando o Ministério Público, diante da violação de princípios chamados de sensíveis (alíneas a, b, c, d, e, do inciso VII, do art. 36, CF), ajuíza a ação, cuja previsão se encontra no art. 36, III, CF. Como se vê no art. 36, CF, não há ajuizamento de ação nos outros casos. Dar-se-á a intervenção mediante solicitação (não obriga o Presidente) ou requisição (obriga o Presidente). Na ADI Interventiva, deferido o pedido pelo STF, o Presidente da República estará vinculado à decisão, podendo inclusive nomear interventor, pessoa que irá substituir o governador na gestão daquela unidade da federação. Após toda decretação de intervenção, o Congresso Nacional é quem decide pela manutenção ou não da medida. Aguardemos o desfecho desse caso do DF (é Delito ou Detrito Federal?). A bola está com os ministros do STF. É importante dizer que se trata de questão inédita enfrentada pela Suprema Corte. É algo sem precedente no Brasil, assim como era para o STJ examinar pedido de prisão preventiva de Governador de Estado. E deu no que deu, né? O tema é complexo, mas espero ter ajudado.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O caso Arruda
















Quero comentar a prisão preventiva do Governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. Todo mundo acompanha o festival de corrupção no Governo do DF. Quem não se lembra da cassação do senador Luís Estêvão? Arruda e o 'saudoso' ACM encomendaram a violação do painel do Senado e a lista dos votos vazou, causando um enorme desconforto àquela Casa Legislativa. ACM e Arruda, de posse da lista, ameaçavam a ex-senadora Heloísa Helena dizendo que ela, por ter tido um caso com Estêvão, tinha votado contra a cassação dele. Num primeiro discurso, negou tudo. Fez um teatro, dizendo que nem na casa estivera no momento do vazamento da lista. Mostrou até foto dele no evento a que tinha ido. Dias depois, quando 'a casa caiu', foi à tribuna do Senado e confessou tudo. Chorava e dizia: "Não matei, não roubei. Meu filhos, não tenham vergonha de mim". Trata-se, portanto, de uma antigo mentiroso do cenário político nacional. Vamos à questão da prisão. Veja: Há no art. 86 da Constituição Federal a seguinte regra: Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. Esta norma geralmente é repetida nas Constituições Estaduais, ou seja, o STJ dependerá de autorização da Assembléia Legislativa para receber ação penal contra Governador de Estado. Vê-se, assim, que somente há necessidade de autorização do Poder Legislativo para o recebimento de ação penal. Nada se fala sobre prisão. Aliás, essa regra das Constituições Estaduais já é objeto de pedido de inconstitucionalidade no STF. Ainda não há decisão. Governador de Estado não tem a imunidade que o Presidente da República possui, prevista no 3º do art. 86 da CF - Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão. Ainda que discutível, esta regra somente permite prisão do Presidente em razão de condenação por crime funcional cometido durante o mandato. Não se autorizam prisões cautelares ou provisórias do Presidente por se tratar do Chefe de Estado. Cuida-se de uma razão de soberania nacional, porque é sempre importante a manutenção do Presidente no cargo. Segundo o STF, isso não existe para Governador de Estado (ADI 978-PB). A alegação da defesa de Arruda é de que, se não se pode receber a denúncia sem a autorização do Poder Legislativo, que dirá a decretação de prisão provisória do chefe do Poder Executivo. Vejo que, havendo fundamentos para a decretação de prisão preventiva - e no caso existe, uma vez que Arruda determinou a entrega de muita grana a uma testemunha - , é perfeitamente possível, embora se saiba que as prisões provisórias num Estado Democrático de Direito devam ser excepcionais e muito bem fundamentadas. Acabei de ler a notícia de que o Min. Marco Aurélio não concedeu a liminar no HC impetrado por José Roberto Arruda. Parece que a alegação não colou. Vai uma folhinha de arruda aí? Valeu, gente.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Direito Indígena



Estou ministrando Direito Indígena lá na faculdade. Tivemos poucas aulas até agora, mas estou gostando muito. Percebi que as pessoas não têm esse preconceito todo de que tanto se fala. Há sim algum pré-conceito, até natural, porque, em geral, as pessoas desconhecem a realidade indígena, apesar de vivermos aqui na Amazônia. Eu disse a eles: 'A gente tem que ir leve para o tema, abstraindo ou eliminando os preconceitos e as pré-compreensões, porque o nosso conhecimento sobre o assunto é apriorístico e, portanto, equivocado'. Num outro post quero escrever mais sobre esse tema tão rico e envolvente. Quero hoje apenas indicar os links para dois textos excelentes que encontrei na internet, porque não há muitas obras modernas que enfrentam o tema Direito Indígena ou Povos Indígenas.

Aí vão: http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154565por.pdf

http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/arquivos/ColET14_Vias03WEB.pdf

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Os princípios no sistema normativo

Eu sou fã dos princípios dentro do ordenamento jurídico. Eles são, na verdade, a razão de ser das coisas. Eles são o porquê na elaboração de uma norma. O meu amigo, professor Rômulo, uma vez me disse que acha interessantíssimo esse meu perfil de falar sempre dos princípios. Disse ainda para eu sempre explorar isso. Acho que ele tem toda a razão. Quem entende os princípios não terá nunca dificuldade de compreender todo o sistema. O texto é parte integrante da minha monografia de Pós em Direito Processual Civil, cujo tema é o devido processo legal substantivo, ou seja, em sentido material, do qual decorre o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. Num outro post a gente fala disso. É importante destacar o que foi dito no texto Neoconstitucionalismo sobre os princípios e sua força normativa. Lá vai.


Os princípios se apresentam como alicerce e são invocados a todo instante e em todo momento. Servem de matriz para a interpretação adequada das normas jurídicas, notadamente no âmbito do controle de constitucionalidade nas ocasiões em que ocorrem conflitos entre normas ou princípios consagrados na Constituição Federal. Carrazza (2003, p. 30) define o princípio da seguinte forma:
Etimologicamente, o termo “princípio” do latim (principium, principii) encerra a idéia de começo, origem , base. Em linguagem leiga é, de fato, o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer.” Sua definição está em consonância com o nosso ponto de vista pois se no princípio se fundamenta todo o ordenamento jurídico e é dele que nascem ou pelo menos devem nascer às leis, de uma forma geral pode se afirmar que todo e qualquer ordenamento jurídico que não observar os princípios que norteiam as normas criadas estão sujeito a serem declaradas invalidas, principalmente no Estado democrático de Direito onde estes fazem parte dos direitos e garantias individuais, pois destes princípios nasce a norma positivada que conseguintemente traçará as diretrizes que regerão as obrigações tributárias dos cidadãos para com o Estado.

Os princípios, como se sabe, são valores, mandamentos que norteiam todo o sistema, servindo de sustentação para a interpretação das normas no âmbito do sistema jurídico. Possuem características que os diferenciam das regras ou demais normas. Os princípios precedem as regras que decorrem daqueles. São o fundamento, a inspiração para a elaboração da norma jurídica positiva. As regras, por sua vez, são dotadas de maior especificidade, mas são secundárias aos princípios que fecundaram o seu conteúdo normativo. A visão acerca dos princípios e sua intensidade normativa é bem ilustrada por Clève (1995, p. 35)
Dispõem de maior grau de abstração e, portanto, menor grau de densidade normativa, e bem por isso sintetizam, fundamentam e estruturam o sistema constitucional. Além disso, condensam as idéias estruturais do sistema, razão pela qual, em geral, os preceitos constituem desdobramentos de idéias-sínteses engessadas nas disposições principiológicas.

O constitucionalista português J. J. Canotilho (1993, p. 47), discorrendo sobre a Constituição e a função dos princípios, introduz importante lição:
A doutrina vem procurando definir a Constituição como ‘um sistema aberto de princípios e preceitos’. Os princípios, ninguém desconhece, possuem características que os diferenciam das regras ou preceitos. Dispõem de maior grau de abstração e, portanto, menor grau de densidade normativa, e bem por isso sintetizam, fundamentam e estruturam o sistema constitucional. Além disso, condensam as idéias estruturais do sistema, razão pela qual, em geral, os preceitos constituem desdobramentos de idéias-sínteses engessadas nas disposições principiológicas. Os princípios, mesmo que implícitos, e inclusive aqueles enunciados no preâmbulo, dispõem de uma funcionalidade. Ou seja, prestam-se para alguma coisa. São, pois, funcionais. Eles cimentam a unidade da Constituição, indicam o conteúdo do direito de dado tempo e lugar e, por isso, fixam standards de justiça, prestando-se como mecanismos auxiliares no processo de interpretação e integração da Constituição e do direito infraconstitucional. Mais do que isso, experimentam uma eficácia mínima, ou seja, se não podem sofrer aplicação direta e imediata, exigindo no mais das vezes (não é o caso dos princípios-garantia) integração normativa decorrente da atuação do legislador, pelo menos cumprem eficácia derrogatória da legislação anterior e impeditiva de legislação posterior, desde que incompatíveis com seus postulados. Aliás, também as normas programáticas atuam, pelo menos, essas últimas funções. Daí por que elas operam, no mínimo, uma eficácia negativa, paralisando os efeitos de toda e qualquer norma jurídica contrária a seus princípios.

As disposições constitucionais, além dessa necessária carga imperativa, possuem um caráter de superioridade hierárquica, consolidado em sua origem. Não há, aliás, diploma normativo mais adequado para a eleição de valores universais do ordenamento jurídico do que a Constituição Federal. Previstos na Lei Fundamental podem os princípios ser invocados sempre que se visualizar qualquer afronta a eles, seja no âmbito administrativo, judicial ou ainda nas relações privadas. Conforme aduz Paulo Henrique dos Santos Lucon (2004, p.09), “não mais interessa apenas justificar esses princípios e garantias no campo doutrinário. O importante hoje é a realização dos direitos fundamentais e não o reconhecimento desses e de outros direitos.”
Os efeitos úteis dos princípios, em síntese, são o de contenção e parâmetro do trabalho do legislador e do juiz, bem ainda o de conferir validade material a uma norma. Os princípios, especialmente aqueles positivados, (princípio-norma) possuem impressionante força normativa, e são capazes de macular de inconstitucionalidade qualquer ato do poder público. O tema a ser estudado neste trabalho é o princípio da proporcionalidade que vem recebendo da doutrina e jurisprudência relevantes referências em análises e decisões judiciais. Trata-se de uma ferramenta hermenêutica que tem se revelado como um importante instrumento para a solução de conflitos, notadamente os constitucionais. Embora exista a posição de que este princípio não se encontra expressamente presente em nossa Lei Fundamental, muitos autores entendem que ele tem assento constitucional no art. 5º, LIV, uma vez que sustentam a existência de uma dimensão substancial do devido processo legal e não apenas formal ou processual. É exatamente a análise dessa perspectiva a que se propõe o presente trabalho.
Finalmente, é importante a percepção do alerta feito pela doutrina no sentido de que os princípios, como visto, são valores, mandamentos, que norteiam todo o sistema normativo. Possuem em geral menor densidade normativa. São bastante abstratos, de exígua concretude.
Com efeito, deve-se ter cautela e prudência para, invocando-se um princípio constitucional, afastar-se a aplicação de uma norma que, em tese, incide no caso concreto. É que a existência do Direito Positivo se dá exatamente para a garantia da segurança jurídica, revelada pela certeza de que possui o indivíduo a proteção jurídica consagrada nos textos legais. Se a norma positiva tem justamente o propósito de concretizar o direito, amoldando-se aos fatos do mundo fenomênico, deve ela ser arredada somente em situações especiais.
Vale assinalar, por outro lado, que as normas jurídicas não podem conter preceitos que violam os princípios que dão sustentação ao Estado Democrático de Direito, sob pena de serem declaradas inconstitucionais.