segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Perda e perca; penhor e penhora; seja e esteja.




















Final de ano, natal, ano novo. Não vou escrever sobre isso. Muita gente já escreveu. Aliás, li textos excelentes sobre esses temas. O Raul Nepomuceno, no http://www.ojardim.net/, e o Laurindo, no http://www.laurindo-fernandes.blogspot.com/, arrebentaram, mandaram muito bem escrevendo acerca desses assuntos. Recomendo a leitura dos textos. Quero falar sobre a língua portuguesa. Coisa rápida. Prometo. Gente, é muito comum as pessoas confundirem 'perda' e 'perca'. Veja bem: as duas palavras existem. Só que uma é substantivo e a outra é verbo. Sempre devo dizer 'perda total' ou 'perdas e danos' (substantivo). E quando uso 'perca'? Quando eu estiver conjugando o verbo perder. Veja: Senhor agricultor, não 'perca' (verbo) tempo, cuide de sua lavoura, pois, do contrário, certamente as 'perdas' (substantivo) virão durante as chuvas.
Outro probleminha que sempre percebo. 'Seje' e 'esteje'. Isso não existe. Nunca se deve dizer isso. Sempre será 'seja' e 'esteja', sempre, sempre. Portanto, devo dizer: Espero que seja desse jeito e desejo que estudo esteja bem.
Penhor e Penhora. As duas coisas existem, mas são institutos jurídicos diversos. Penhor é modalidade de garantia real, pela qual se dá um bem móvel em garantia de um débito contraído. Eu dou em penhor minha jóia. Referindo-se a penhor, é também correto dizer: Eu empenhei meu colar de diamante. A penhora é instituto de direito processual, que se dá numa ação de execução, a fim de assegurar o pagamento do débito assumido num título executivo. Desse modo, numa execução de um cheque ou de uma nota promissória, o oficial de justiça faz a penhora do bem. Devo dizer, assim, que o veículo (ou o computador, o terreno) está penhorado. Há pessoas que misturam as duas coisas e dizem que o bem está 'empenhorado' (Potrege, pai!). Isso é muito estranho. Espero ter ajudado. Um grande abraço e Feliz 2010!

domingo, 20 de dezembro de 2009

O global e o local




É natural que nos preocupemos com a paz e a crise no mundo, o aquecimento global, a onda de xenofobia na Europa, a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil, a violência nas grandes cidades, o mensalão do DEM no Distrito Federal (o mais adequado talvez seja Detrito ou Delito Federal) etc. Aliás, é impossível não querer saber, se envolver, discutir todos esses assuntos, especialmente num mundo globalizado com todas essas informações disponíveis em um clique no computador. Mas é curioso perceber que as pessoas dão enorme importância ao que se sucede no quintal do vizinho. A gente o tempo todo assiste aos noticiários das grandes emissoras de TV e fica sabendo de tudo o que aconteceu nos Estados Unidos, na Europa, no Rio e em São Paulo. Você, por acaso (faço a mim também todas as perguntas desse post), desativa a sua parabólica para ver os programas locais? Você conhece o trabalho dos vereadores de Cacoal? E os bairros carentes da cidade? Ouvi alguém dizer uma vez que 'todo mundo mora no município'. Essa é uma grande verdade. Ninguém mora na União ou no Estado. O que tem me preocupado bastante em nossa cidade é o trânsito. O progresso em Cacoal é desenfreado. É bom? Evidente. Há consequências graves, preocupantes? Sim. Imagine uma filmagem aérea de Cacoal em 1995, 2005 e agora. O fluxo de veículo é algo impressionante hoje. Nunca senti tanta dificuldade para estacionar ou sair com o carro quando estou no centro da cidade, por exemplo. Outro dia, por volta das 18h, para eu sair da frente do Hotel Amazonas, demorei quase dez minutos. Ontem, por conta de um caminhão 'empacado', o trânsito parou na marginal na altura da Av. Porto Velho . Percebi pelo retrovisor uma fila gigantesca de carro. Eu nunca vi isso em Cacoal. São tantos os fatores que contribuem para essa realidade (a cidade está crescendo; muita gente chegando para morar aqui; faculdades importantes e novos estudantes a cada ano; facilidade na compra de veículos novos; trânsito desordenado etc). São tantas motos ultrapassando os carros pela esquerda e 'pela direita' que dá medo. Dirigir vai se tornando um desafio. Mas o que fazer então? Além de outros problemas igualmente importantes que a cidade tem, o que a meu juízo requer urgente atenção é o trânsito. Os constantes acidentes justificam essa preocupação. O município está inerte? Não. Foi criada a Secretaria Municipal de Trânsito (espero que por meio de lei, com a devida criação dos cargos e suas atribuições). Percebe-se um trabalho de sinalização de trânsito nas ruas. Ainda falta muito. A gente vê muitos fiscais na rua, mas a atuação é tímida. Parece inexistir um preparo, uma segurança de conduta. Na avenida Belo Horizonte, por exemplo, onde se colocou uma rotatória, seis ou sete agentes de trânsito ficam estáticos enquanto as pessoas, não acostumadas com a novidade, se confundem para saber quem pode ou não seguir em frente. A educação de trânsito entra aqui. Conhecer os sinais de trânsito é fundamental. O problema é nosso. Espero que um estudo tenha sido realizado para se definir a colocação daquela rotatória ali. Não me parece que aquele ponto seja tão crítico no trânsito da cidade. Há outros locais mais perigosos. E os semáforos? Será que já não está na hora de pensar neles? Colocar só porque é bonitinho evidentemente não é o caso. Estudos de engenharia de tráfego irão revelar a necessidade. Como leigo, vejo que já é necessário. Até brincam com isso, porque Pimenta Bueno e Buritis, grandes metrópoles, já possuem esses aparelhos. A questão é essa. A responsabilidade também é nossa. Vamos nos envolver mais com as coisas daqui? E aí, o que te preocupa o global ou o local?

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Breves notas sobre o conceito de livro e o alcance da regra constitucional de imunidade tributária cultural









Momento Nepotismo II: Segue outro artigo do meu irmão, o juiz federal Flávio da Silva Andrade. Trata-se da questão referente ao possível alargamento do conceito de "livros, jornais e periódicos" (previsto na Constituição Federal relativo à imunidade tributária do art. 150, VI, d, CF), de modo a alcançar outros meios eletrônicos ou virtuais de difusão do conhecimento e da cultura. A propósito, segue ao final do artigo uma notícia de hoje dando conta de que a Justiça Federal entendeu que o conceito deve sim ser elastecido.

A imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão está prevista no artigo 150, VI, letra d, da Constituição Federal, e visa a garantir a difusão da cultura.
MARCELO ALEXANDRINO e VICENTE PAULO [01], cuidando do tema, assinalam que se trata de imunidade objetiva, "abrangendo todos os impostos que poderiam incidir sobre as operações com esses bens. Observe-se que, não sendo subjetiva, não estão a livraria, a banca de jornais ou os comerciantes em geral imunes aos impostos incidentes sobre os rendimentos decorrentes de suas atividades. Imunes são as operações de importação, produção ou circulação destes bens, não a renda resultante de sua venda. Fica afastada, por exemplo, a incidência de II, IPI, ICMS, mas não a de imposto de renda".
Os referidos autores, entretanto, alertam que somente livros, jornais e periódicos impressos em papel estão imunes, não as publicações em meios eletrônicos. A extensão da imunidade a softwares, CDs, DVDs ou a qualquer outro meio de divulgação de conhecimento que não seja o papel não é aceita pelo Supremo Tribunal Federal [02].
Aqui reside o ponto central a ser abordado nestes breves apontamentos. Embora deva ser respeitada a posição firmada pelo Pretório Excelso, a matéria exige novas reflexões tomando como norte as transformações tecnológicas vivenciadas no mundo moderno. O conceito de livro deve ser ampliado, de modo a abranger os modernos meios eletrônicos hoje usados para se disseminar a cultura e a informação.
ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA [3]ensina que "livro é um objeto elaborado com papel, que contém, em várias páginas encadernadas, informações, narrações, comentários etc, impressos por meio de caracteres. Essa é a acepção corriqueira de livro, que qualquer dicionário registra." Todavia, atento ao espírito que moveu o Legislador Constituinte, o referido tributarista destaca que "a palavra livro está empregada no Texto Constitucional não no sentido restrito de conjuntos de folhas de papel impressas, encadernadas e com capa, mas, sim, no de veículos de pensamento, isto é, de meios de difusão da cultura. (...) Hoje temos os sucedâneos dos livros, que, mais dia menos dia, acabarão por substituí-los totalmente. Tal é o caso dos CD-Roms e dos demais artigos da espécie, que contém, em seu interior os textos dos livros, em sua forma tradicional." [4]
Esse entendimento doutrinário, em que pese não predomine no Supremo Tribunal e em parte dos tribunais brasileiros, revela-se escorreito na medida em que confere máxima efetividade ao comando constitucional, não se vislumbrando a menor razão para dele se destoar.
Com efeito, a interpretação da expressão "livro" deve ser feita no sentido de entendê-lo como um veículo de disseminação do conhecimento. Por conseguinte, fazendo uma interpretação extensiva da regra imunitória, tem-se que também deve alcançar os meios eletrônicos de difusão de informações e cultura, como é o caso dos CD-ROMS, fitas cassetes, DVDs, CDs, softwares, etc. Ora, atualmente esses suportes estão substituindo os livros, de modo que, numa interpretação sistemática e teleológica da regras constitucionais, devem ser afastados do campo de incidência dos impostos.
O intérprete não pode esquecer que a norma imunitória em comento foi e é destinada a estimular a propagação do saber e da cultura, viabilizando a livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV, CF/88), da atividade intelectual, artística, científica e da comunicação (art. 5º, IX, CF/88) e o acesso à informação (art. 5º, XIV, CF/88). Portanto, o fato de o livro, jornal ou periódico não ser feito de papel, mas veiculado em meio informatizado ou eletrônico, não deve ser óbice ao reconhecimento da imunidade tributária, já que esses novos formatos não os desnaturam como meios de divulgação da cultura e do conhecimento.
Como bem disse SÍLVIO DE SALVO VENOSA [5], "as leis envelhecem, perdem a atualidade e distanciam-se dos fatos sociais para os quais foram editadas. Cumpre à jurisprudência atualizar o entendimento da lei, dando-lhe uma interpretação atual, que atenda às necessidades do julgamento". Noutras palavras, se a lei se mostrar defasada, deve o intérprete estar atento para trazer à superfície o seu real sentido, fazendo os ajustes necessários para adequá-la à nova realidade.
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Notas
in Manual de Direito Tributário. 4ª edição, revista e atualizada. Editora Atlas. Niterói/RJ. p. 60
Ob. cit. p. 61
in Curso de Direito Constitucional Tributário, Malheiros Editores, São Paulo, 13ª ed., 1999. p. 487
ibem, ibidem, p. 488
in Direito Civil - Parte Geral. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2002. p. 46.


(http://www.migalhas.com.br/)


JF reconhece imunidade tributária em importação de leitor de jornais, revistas e periódicos


A juíza Federal Marcelle Ragazoni Carvalho deferiu liminar em MS impetrado pelo migalheiro Marcel Leonardi e reconheceu a imunidade tributária do produto denominado "Kindle", em relação ao recolhimento dos impostos incidentes na importação.
A decisão reconheceu que o aparelho merece a mesma imunidade tributária que os livros, periódicos e o papel destinado à impressão, nos termos do art. 150, VI, d, da CF/88 (
clique aqui).
Segundo a magistrada "ainda que se trate de um aparelho a ser importado pelo impetrante de meio para leitura dos livros digitais vendidos na internet, o produto goza efetivamente da imunidade, assim como o papel para impressão também é imune".

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Relativização da Coisa Julgada

Embora se aconselhe que os textos no blog sejam pequenos, estou postando esse meio grandão. Trata-se de artigo que escrevi faz um tempinho, mas é um tema sempre atual e importante. Aí vai.
Consagrou-se constitucionalmente o instituto da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF), a fim de se garantir definitividade e imutabilidade às decisões judiciais. A coisa julgada, nos moldes em que foi delineada, não comporta, em regra, exceção. Ela é formal principalmente nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267, CPC). Essas são as chamadas sentenças terminativas. Alguns entendem que, além do conceito supramencionado, o sentido de coisa julgada formal alcança as decisões de mérito no âmbito do processo, no sentido de que configura inviabilidade de interposição de recurso. Assim, a coisa julgada formal é também considerada um fenômeno endoprocessual.
Modernamente, no que tange ao conceito de coisa julgada material, os processualistas vêm se inclinando na direção de admiti-la basicamente como a imutabilidade dos efeitos da decisão de mérito no mundo fenomênico. Em tese, as questões atingidas pela coisa julgada material não podem mais ser discutidas judicialmente.
É oportuno registrar que normalmente as pretensões frustradas em decorrência de sentenças terminativas podem ser propostas novamente.
É indiscutível, portanto, que a coisa julgada proporciona inequívoca segurança para as relações jurídicas. E não poderia ser diferente. A existência da autoridade da coisa julgada é lógica e coerente com o objetivo da Jurisdição. Do contrário, se estaria permitindo que questões já decididas fossem novamente levadas ao Judiciário, o que provocaria uma perpetuação dos conflitos de interesses. De outro modo, a soberania da coisa julgada não deve prevalecer diante de graves imperfeições e discrepância das leis e das decisões judiciais em face própria Constituição. Não se pode admitir que convivam duas sentenças que trataram do mesmo pedido, de pessoas em situação absolutamente idênticas, mas com resultados decisórios diferentes, beneficiando um jurisdicionado e sacrificando o direito de outro, apenas porque o julgado está protegido pela coisa julgada, tudo em prejuízo ao princípio constitucional da isonomia e da proporcionalidade aos quais devemos sempre observância.
Não obstante o reconhecimento da importância da res judicata, surge pujante na doutrina e na jurisprudência uma corrente que vem admitindo o que ficou conhecido por relativização da coisa julgada.
Como sabemos, o próprio sistema processual brasileiro não conferiu um caráter absoluto à coisa julgada, porquanto contemplou a possibilidade de ajuizamento da Ação Rescisória, prevista no art. 485, do CPC, cujo objetivo é a modificação de decisões de mérito transitadas em julgado. Aliás, nessa linha da relativização da coisa julgada, há quem sustente que as hipóteses de seu cabimento não se exaurem no rol do mencionado dispositivo. É importante consignar que o prazo decadencial de dois anos para a proposição de ação rescisória inicia-se no dia do trânsito em julgado do acórdão, ainda que este se limite a não conhecer do recurso interposto. No caso de interposição de recurso intempestivamente, conta-se o prazo para a rescisória a partir do 15º dia da publicação da sentença de primeiro grau.
Outra hipótese de cabimento da ação rescisória que também redunda numa espécie de desconsideração da coisa julgada se dá no processo de execução quando se perde o prazo para a apresentação de embargos à execução, mas se percebe que ocorreu no processo de conhecimento qualquer uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC, respeitando-se sempre o prazo decadencial de dois anos. Trata-se de uma situação interessante encontrada na doutrina e bastante admitida pelos tribunais.
Lembremos oportunamente das execuções contra a Fazenda Pública relativas a indenizações por desapropriação em que, após o prazo de dois anos, verificou-se fraude nas avaliações ou equívocos sobre a área considerada na sentença que, em verdade, já pertencia ao próprio Estado. Trata-se de outro caso admitido nos tribunais, no sentido de se flexibilizar a autoridade da coisa julgada, por constatação de evidente injustiça de uma decisão judicial.
Ainda se falando em execução, quando considerado inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal (art. 741, II, CPC). Por ocasião de oposição de embargos à execução, existindo pronunciamento prévio do STF de inconstitucionalidade - não observado pelo juiz no processo de conhecimento - da norma relativa à fundamentação do título judicial, a inexigibilidade do título se torna inequívoca, possuindo os embargos natureza de ação rescisória, que, portanto, excluirão a decisão que ensejou a execução, por violação literal de dispositivo legal (art. 485, V, CPC).
Com efeito, a relativização da coisa julgada consiste na possibilidade de, em alguns casos, ser rediscutido aquilo que já está acobertado pela coisa julgada material. Ressalta-se que isso poderia ocorrer a qualquer tempo, a se registrar que não se está falando de ação rescisória. É de se destacar também a garantia constitucional do acesso à ordem jurídica justa, que significa a repulsa a qualquer julgado que não se coadune com princípios de justiça e eqüidade, a partir de um conceito objetivo e compatível com o bom senso.
Importantes juristas, como Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover, José Augusto Delgado, dentre outros, sustentam a tese de que a coisa julgada não pode ir de encontro a moralidade administrativa, meio ambiente, dignidade da pessoa humana, o princípio do justo valor das indenizações em desapropriação, o que prestigia, sobretudo, a injustiça. Sendo observado o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, seriam recebidas ações que rediscutissem tais matérias. Não se pode conceber, por exemplo, que uma pessoa seja considerada pai, quando, por meio do eficaz exame de DNA, hoje, ela possa provar que não possui tal vínculo sangüíneo. Desse modo, diante da ocorrência de tais casos, a matéria já agasalha pela coisa julgada poderia ser discutida novamente. O princípio da razoabilidade, implícito em nossa Carta da República, será sempre invocado quando estiverem em conflito dois outros princípios ou normas constitucionais, de modo a prevalecer aquele de maior relevância para um determinado caso, não significando isso o desrespeito àquela norma afastada ou mitigada.
A professora Ada Pellegrini Grinover defende o entendimento de que a coisa julgada inconstitucional não pode, sob nenhum argumento, subsistir, razão pela qual também poderia ser reapreciada a decisão que flagrantemente violou princípios ou normas de nossa Lei Maior, inclusive em sede de ação rescisória, na hipótese de não se entender taxativa a previsão de seu cabimento, tese, aliás, defendida pelo professor Cândido Rangel Dinamarco.
A esse propósito, a utilização da rescisória para tal fim tem sido aceita pela Jurisprudência de forma excepcional, ao se dar interpretação extensiva ao inciso V, artigo 485, do Código Processual Civil, ou até mesmo fundamentado no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal (princípio da inafastabilidade da jurisdição). Neste caso, também ocorre o afastamento da Súmula 343, do Supremo Tribunal Federal, sendo esta apenas aplicável em caso de interpretação controvertida nos tribunais, não quando se trata de matéria pacificada, inclusive por meio de súmula.
A doutrina, representada por Teresa Arruda Alvim Wambier, e a jurisprudência – decisões do STF - vêm entendendo admissível a Ação Declaratória de Inexistência da sentença, no caso de não se estabelecer a relação jurídico-processual, pressuposto imprescindível para regularidade e validade do processo (art. 267, IV, CPC). De acordo com a moderna doutrina, a Ação Declaratória será cabível quando ausentes elementos indispensáveis para a existência da relação processual, como a citação, ação, Jurisdição e capacidade postulatória, o que afasta a possibilidade de efetivação e existência de qualquer manifestação jurisdicional. Há também o registro de possibilidade de utilização dessa ação nos casos de sentença em que não há o dispositivo, parte reservada ao decisório - a decisão propriamente dita - o que transita em julgado. Se, por exemplo, parte de um pedido não for apreciada pelo juiz, certamente, com relação a esse tópico, a sentença será inexistente. Rara, mas possível, seria a hipótese de um não-juiz proferir uma decisão num processo. A doutrina traz como exemplos o juiz aposentado ou qualquer pessoa não investida na função jurisdicional. É evidente que tal decisão não pode prevalecer, a se entender que não há manifestação jurisdicional válida nesse caso. Assim, entende-se que a sentença é inexistente. Pode-se notar, da leitura dos casos de cabimento de ação rescisória, não estarem presentes as tais hipóteses. Importa ressaltar que, por se tratar de questões de absoluta relevância, tal ação poderá ser proposta a qualquer tempo. Chegou-se a se ter dúvida quanto ao prazo para a sua propositura. Alguns entediam que era dentro do mesmo biênio decadencial da ação rescisória. Hoje existe o entendimento quase unânime de que tal ação é imprescritível, haja vista estar se falando de inexistência de sentença.
Nessa mesma esteira, é importante registrar a existência da chamada objeção – ou exceção – de pré-executividade, cabível na execução sempre nos casos de ter havido violação a normas de ordem pública, dispensado o executado que a alegar de providenciar a garantia do juízo, exigida nos embargos à execução. Trata-se, sem dúvida, de mecanismo de mitigação da coisa julgada.
Outro tema bastante intrigante, ainda bastante controvertido, refere-se à declaração de inconstitucionalidade, seja no controle difuso – após suspensão da lei pelo Senado Federal - ou no concentrado, realizados pelo Supremo. Discute-se se essa declaração alcançaria ou não a coisa julgada, com efeitos erga omnes e ex tunc, não podendo, segundo alguns, o STF permitir a manutenção de decisões transitadas em julgado que se fundamentaram naquela norma extirpada do ordenamento jurídico.
É defendido o argumento de que, havendo a declaração de inconstitucionalidade, estará ocorrendo também a nulidade das sentenças transitadas em julgado que se fundaram ou que aplicaram a norma declarada inconstitucional, o que constitui um fundamento autônomo para a revisão do julgado.
Modernamente, não há mais espaço para uma observância cega à lei, ao tecnicismo, ao simples cumprimento da literalidade da norma. A tendência atual é contemplar sistematicamente todo o ordenamento jurídico, privilegiando permanentemente a ordem constitucional.
Nos dias atuais, o princípio da proporcionalidade vem se revelando também na possibilidade de se atenuar a coisa julgada, além do cabimento da ação rescisória, em homenagem ao senso de justiça e razoabilidade que deve possuir as decisões judiciais, não se admitindo que a coisa julgada se mostre como uma manifestação jurisdicional em que estejam ausentes preceitos éticos, justos e consentâneos com a idéia inspiradora do princípio do devido processo legal em seu aspecto substancial já apresentado neste trabalho.
Nessa mesma linha é importante a opinião de Paulo Henrique dos Santos Lucon (2004, p. 19), para quem “afastar a coisa julgada fraudulenta, símbolo da denegação de justiça é aplicar o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.”
Cumpre anotar finalmente que a solução pela relativização da coisa julgada deve ser sempre extraordinária e só pode ser invocada para afastar absurdos, injustiças flagrantes, fraudes e infrações à Constituição. A regra continua sendo - e não poderia ser diferente - a do respeito à autoridade da coisa julgada, a fim de preservar por meio dela a legítima segurança jurídica.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O art. 111 do CTN











Há uma questão muito instigante no Direito Tributário quando se fala de isenção, sobretudo em tempos de Pós-Positivismo. O art. 111 do Código Tributário Nacional prevê que os benefícios fiscais que importem não-pagamento de tributo devem ser interpretados literalmente. Assim dispõe a norma:
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Para a concessão da isenção do ICMS e do IPVA aos portadores de deficiência física, a legislação estadual exige que os veículos sejam adaptados e dirigidos pelas próprias pessoas que têm as necessidades especiais. Na maioria dos pedidos, os veículos não são adaptados e algum parente é quem vai dirigir o automóvel. No que diz respeito ao IPI, tributo federal, a lei não traz as exigências que a lei estadual faz, de modo que a isenção do IPI é deferida sem maiores dificuldades. No âmbito estadual, em razão da observância austera do art. 111 do CTN, os pedidos são indeferidos. Desse modo, os requerentes somente conseguem a isenção mediante a impetração de mandados de segurança, que são, em sua maioria, concedidos, em liminar e no mérito, com confirmação certa pelo Tribunal de Justiça. Será que, diante da nossa realidade Pós-Positivista e da jurisprudência consolidada sobre o tema, ainda é válido invocar o art. 111 do CTN para indeferir essas isenções? Imagine alguém com total deficiência visual ou que seja tetraplégico. É evidente que, nesses casos, o veículo não será conduzido pela pessoa deficiente física. Adotar posição de apego inarredável ao art. 111 do CTN significa esvaziar o instituto da isenção. Outro dia, a pedido do Delegado Regional, elaborei um parecer deferindo um pedido desse. Confira.
Merece acolhimento a pretensão do interessado, não obstante as regras previstas no art. 6º, IV, da Lei estadual nº 950/00, que instituiu o IPVA, e no art. 111 do Código Tributário Nacional.
Atendendo à determinação do auditor fiscal que examinou o pedido, o requerente providenciou adaptação de freio, embreagem e acelerador.
Apenas não colocou no veículo direção hidráulica.
Para o exame do presente pedido, deve-se considerar o princípio constitucional da igualdade, na sua perspectiva material, que contempla e legitima as ações legislativas e administrativas do estado, no sentido de promover igualdade àquelas pessoas que se encontram em situação fática desfavorável. O comportamento estatal deve transcender a mera igualdade formal – perante a lei – e atingir a igualdade “na lei” pela qual se impõe o atingimento da igualdade material, tratando-se os desiguais de modo desigual.
Os princípios, como se sabe, são valores, mandamentos que norteiam todo o sistema, servindo de sustentação para a interpretação das normas no âmbito do sistema jurídico. Apresentam-se como alicerce e são invocados a todo instante e em todo momento. Devem ser o fundamento, a inspiração para a elaboração e aplicação da norma jurídica.
Os valores democráticos cultuados pelo Estado de Direito não autorizam nenhuma espécie de arbitrariedade que suprima direitos e garantias individuais conquistados à custa de tanto suor, sofrimento e sangue ao longo de tantos anos.
É inegável que esse perfil estatal, de maior respeito aos direitos individuais, imprimiu limitações à atuação do Império do Estado na vida das pessoas, de modo a evitarem-se abusos e violências por parte do Poder Público.
A exigência de adaptação aos veículos adquiridos por portadores de deficiência física, aliás, não parece ser razoável. Impedir-se, por exemplo, que alguém conduza o veículo para o portador de deficiência, afigura-se, na verdade, desproporcional (CF, art. 5º, LIV). Essa regra estadual destoa da Constituição Federal e da legislação federal que dispõe sobre a isenção do IPI, em que não se impõe a adaptação no veículo. Sobre o princípio da proporcionalidade assim já decidiu o STF:
O princípio da proporcionalidade - que extrai a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula a garantia do substantive due process of law - acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
A norma estatal, que não veicula qualquer conteúdo de irrazoabilidade, presta obséquio ao postulado da proporcionalidade, ajustando-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive due process of law (CF, art. 5º, LIV).
Essa cláusula tutelar, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador. (RTJ 176/578-580, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Não obstante a previsão legal irrazoável, o requerente fez os ajustes essenciais no veículo, consistentes na adaptação do freio, embreagem e acelerador.
Com relação à norma prevista no art. 111 do Código Tributário Nacional – que impõe interpretação literal às regras de concessão de isenção - , é oportuna na análise desse pedido a transcrição do julgado que segue abaixo.
Ementa: .... I. O art. 111 do CTN, que prescreve a interpretação literal da norma, não pode levar o aplicador do direito à absurda conclusão de que esteja ele impedido, no seu mister de apreciar e aplicar as normas de direito, de valer-se de uma equilibrada ponderação dos elementos lógico-sistemático, histórico e finalístico ou teleológico, os quais integram a moderna metodologia de interpretação das normas jurídicas. ....” (STJ. REsp 192531/RS. Rel.: Min. João Octavio de Noronha. 2ª Turma. Decisão: 17/02/05. DJ de 16/05/05, p. 275.)
DIANTE DO EXPOSTO, a 4ª DRRE manifesta-se pelo DEFERIMENTO do pedido de isenção de IPVA, devendo-se expedir o Despacho Declaratório.