segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O FUTEBOL NA VISÃO DE UM JURISTA

Pessoal, outro dia escrevi essa crônica sobre o futebol, fazendo uma analogia com o mundo dos profissionais do direito. Agora que tenho o blog vou postar aqui tudo que já escrevi. Os textos serão inseridos aos poucos. Tenho muita coisa escrita e estou feliz por poder compartilhar com vocês. Tudo o que eu escrever agora vou também colocar no blog. Só lamento aos leitores. Brincadeira à parte, espero que gostem.

Todos nós sabemos que indiscutivelmente o futebol é a maior paixão nacional. Independentemente do grau de escolaridade, da religião, do nível intelectual, todos apreciam o futebol. Do gari ao médico, do carpinteiro ao juiz de direito. Não há dúvida, este assunto sempre une ou não os brasileiros das mais variadas origens e classes sociais.
Penso que nos dias atuais é quase impossível uma família na qual não tenha pelo menos um advogado, um bacharel em direito ou estudante das ciências jurídicas, bem como alguém que gosta muito de futebol, aliás, até quem diga ser craque de bola. É curioso que ambos – o jurista e o boleiro - geralmente falam diferente. O jurista usa um vocabulário mais rebuscado. Algo muitas vezes condenável, mas é uma formação muito tradicional, apegada ainda a muitos formalismos, o que acaba impondo esse tipo de discurso. O boleiro, ao contrário, usa um vocabulário bem coloquial e repleto de expressões e gírias bastante originais.
Não obstante tudo isso, acredito que não será difícil compreender essa brincadeira que me proponho a fazer. Resolvi fazer uma analogia, uma comparação entre o Futebol e o Direito. Vou tentar demonstrar algumas semelhanças entre ambos, porque, como eu disse, todo mundo tem um advogado e um craque de futebol em “casa”.
No futebol, assim como num processo judicial, há duas partes adversárias que se submetem a decisões de um juiz. No direito processual se diz que presentes esses três elementos está instaurada uma relação jurídico-processual. O juiz ou o árbitro irá resolver os conflitos de interesses, aplicando punições, quando necessário. No futebol, as faltas implicam sempre uma penalidade, às vezes a penalidade máxima.
Para os juristas, a existência de regras previamente definidas promove o que se denomina Segurança Jurídica. Isso certamente pode ser dito também no mundo do futebol. Pode-se dizer que, violada a regra, que nem sempre é tão clara – contrariando o comentarista de arbitragem – se sujeitam o atleta e a equipe a uma sanção. Isto, no direito, é o que se chama de subsunção, ou seja, a ocorrência concreta do que está previsto hipoteticamente na norma. Falando nisso, pergunta-se: as faltas no futebol são punidas a título de dolo ou culpa? A vontade, a intenção direta de causar um dano, é o que se chama no mundo jurídico de dolo. A culpa decorre de comportamento afoito, imprudente, precipitado, excessivo etc. Parece que no futebol a regra é a punição independentemente de haver análise de dolo ou culpa. No Direito, esse fenômeno é chamado de Responsabilidade Objetiva, uma vez que se aplica a penalidade, não se apurando se houve dolo ou culpa.
A gente vê comentarista esportivo dizendo que não houve uma infração porque o atleta não quis fazer a falta, empurrando, derrubando o adversário ou colocando a mão na bola. Não parece correto dizer isso. Respondendo à pergunta feita acima, a penalidade é aplicada em razão da conduta dolosa ou culposa. Aliás, arrisco-me a dizer que geralmente as faltas são cometidas culposamente, ou seja, sem a vontade deliberada de fazê-la. Não parece razoável que o zagueiro faça por querer a falta ou, principalmente, o pênalti.
Outro momento interessante no futebol é o impedimento – situação em que o atacante está demasiadamente avançado no ataque. Esse assunto é delicado, confuso, polêmico. Há jogadas em que, mesmo após muitas exibições do lance pela TV, o espectador fica na dúvida. Imagine a dificuldade do juiz e dos bandeirinhas. Estes, no direito, são chamados de assessores ou estagiários: aqueles que auxiliam, dão uma assistência, opinam.
No impedimento, há uma questão tormentosa que é a tal mesma linha. Quando saber se o atacante está, de fato, na mesma linha do zagueiro. É bem difícil mesmo. A regra não resolve casos assim. A regra não resolve tudo. Aqui entram, no Direito, os chamados princípios: valores gerais e abstratos que orientam a elaboração de alguma coisa. Nesse caso, não resolve a questão pela simples subsunção (encaixe do fato à regra). O problema é solucionado por uma ponderação de interesses a partir do valor de maior peso. Falando em princípio, há uma máxima de que não se deve impugnar a ação do atacante quando há dúvida de sua posição irregular. A analogia inevitável que se faz é com o acusado no processo criminal. Quando, ao final de um processo, não são encontradas provas para a sua condenação, decide-se sempre pela absolvição. Em razão disso, consagrou-se o velho brocardo latino: in dubio pro reo. Como se sabe, a tradução é: na dúvida em favor do réu. A solução é essa porque a liberdade é o direito fundamental mais importante. Por óbvio, não pode o indivíduo dela ser privado se não há provas fortes de sua culpabilidade. Assim como a liberdade, o gol é o valor ou o momento mais nobre no futebol. Como dito, é por conta disso certamente que deve prevalecer a orientação (o princípio) de que, na dúvida, não se assinala o impedimento: in dubio pro atacante. Nem sei se isso está na regra, mas parece ser o certo, porque é um princípio, que nem sempre está escrito, mas deve ser aplicado para o bem do processo judicial e do futebol. Como seguramente há outras afinidades não mencionadas no texto, autorizo você a incluir aqui outras semelhanças entre esses dois assuntos tão apaixonantes.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O PODER LEGISLATIVO TEM VIDA ADMINISTRATIVA.

A nossa triste realidade.
Todo mundo acompanha estarrecido a “crise” pela qual passa o Poder Legislativo. Talvez nem esteja tão escandalizada a população diante da repetição diária das notícias dando conta das mazelas e absurdos lá cometidos. Trata-se de um festival com o dinheiro público. É triste, mas é real. Vamos tentar compreender um pouco disso, se é que podemos ou é possível. Vejamos, então, a ótica constitucional das coisas.
O Senado da República e a Câmara dos Deputados compõem o Congresso Nacional. São casas responsáveis pelas atividades típicas de elaborar, discutir e votar leis (arts. 48 e 59, CF), e de fiscalizar os atos do Poder Executivo (art. 49, X, CF).
O Senado, ademais, tem um papel relevantíssimo na federação brasileira. É a casa que deve proteger a federação.
A federação é a forma de estado adotada no Brasil, pela qual se estabelecem vários núcleos de poder num estado composto. As partes – estados e municípios - gozam de autonomia, que é a capacidade de autogoverno, existência de orçamento, receita, leis próprias. Em um estado unitário (como a Espanha, o Uruguai), só existe um núcleo de poder: o central. Tal é a importância da nossa forma de estado que sequer por emenda constitucional ela pode ser alterada (art. 60, §4º, IV, CF)
Os senadores representam os estados (art. 46, CF), enquanto os deputados federais, o povo (art. 45, CF). A representação dos estados no Senado, como sabemos, é igualitária, ou seja, qualquer estado, grande ou pequeno, possui três senadores. O Senado tem atribuição constitucional de velar pelo pacto federativo, evitando-se, por exemplo, aquilo que se chama de guerra fiscal entre os estados mediante controle de alíquotas do ICMS (art. 155, §2º, IV e V, CF), que é um imposto estadual. Há diversas outras atribuições do Senado que reforçam esse aspecto do pacto federativo.
O Senado da República deve ser a casa da convergência, da unidade, do equilíbrio. Na Câmara dos Deputados, porém, é salutar haver divergência, pluralidade, diferença, porque o povo é assim.
Pois bem. O Poder Legislativo tem também vida administrativa – atividade atípica - , verificada na existência de estrutura física, patrimônio, servidores, necessidade de fazer licitações e concursos públicos, nomeações de pessoas para cargos em comissão e funções de confiança (o que vamos distinguir mais à frente) e muito mais. É tudo aquilo que o Poder Executivo, de maneira mais clássica, e o Poder Judiciário também fazem.
Estamos cansados de ver ilustres senadores e deputados e as instituições Câmara e Senado praticando, na sua vida não-legislativa, imensuráveis afrontas à Lei Fundamental, à qual evidentemente eles também estão sujeitos. Parece que não sabem disso.
Não são ignorados os graves problemas de gestão e corrupção envolvendo os ex-diretores do Senado Federal, fatos também adstritos a sua vida administrativa.
Entretanto, pretende-se abordar aqui especificamente a questão relacionada às nomeações aos cargos comissionados mediante atos secretos (secretos?), e às passagens aéreas distribuídas sem nenhum critério. Nesse ponto em especial, parece que ter percebido que havia necessidade de regras sérias para o uso de passagens foi uma grande descoberta. Nossa! Então não pode ser assim de qualquer jeito? Não posso doar uma passagem aérea a minha namorada para viagem de férias? É preciso respeitar a Constituição? Brincadeira! E olha que o Deputado Michel Temer, presidente da Câmara dos Deputados, é um importante constitucionalista brasileiro.
Esses fatos ilustram bem o que se pretende mostrar.
Vamos repetir a premissa. O Poder Legislativo desenvolve atividades administrativas.
Assim, vejamos os famosos princípios constitucionais que orientam a vida administrativa do estado brasileiro.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Vamos lá. É preciso mostrar o óbvio a eles. Assim diz a norma: A administração de qualquer dos Poderes da União. O Legislativo compõe algum dos poderes da República? Com muito esforço, pode-se concluir que sim.
O que são princípios? Os princípios, como se sabe, são valores, mandamentos que norteiam todo o sistema, servindo de sustentação para a interpretação das normas no âmbito do sistema jurídico.
São normas – impõem observância - , as mais importantes do ordenamento jurídico. Servem de fundamento de validade a todas as outras normas. E quando a violação é de princípio constitucional? Nossa! Aí a coisa é séria, é o maior desrespeito que se pode ter.
Voltemos aos atos secretos do Senado nos quais são escondidas imoralidades. É possível sustentar isso, gente? A República não admite! A coisa pública não aceita! É preciso avisar isso aos parlamentares. A publicidade dos atos estatais é direito fundamental dos cidadãos, meu Deus! Não há contradição maior em não se dar publicidade a atos públicos por excelência. No Estado de Direito tudo tem que ser posto às claras. É direito fundamental, repito. Vamos a ele.
Art. 5º, XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
O que são os cargos em comissão e as funções de confiança? Observem a Constituição Federal.
Art. 37, V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
Em respeito aos princípios da igualdade, da moralidade e da impessoalidade, num Estado Democrático de Direito, a regra é o ingresso no serviço público por meio de concurso público. Entretanto, o legislador constituinte traçou algumas exceções, algumas das quais previstas no dispositivo transcrito acima. São as atribuições de chefia, direção e assessoramento. Ser nomeado para função de confiança pressupõe a ocupação de cargo efetivo, ou seja, aquele para o qual se exige concurso público e tem regime jurídico próprio, decorrente de lei. São cargos não regidos pela CLT. O que mais nos interessa aqui são os cargos em comissão, aqueles também baseados na confiança. Para esses não se exige a condição de ocupar cargo público. Em tese, qualquer pessoa pode ocupá-lo, já que a lei referida na norma constitucional supracitada não existe ainda. Os cargos de assessores de parlamentares são em comissão, de livre nomeação e livre exoneração (traduzindo: liberdade para admitir e demitir a qualquer tempo, quando quiser). Lembremos que há os princípios constitucionais aos quais eles, os probos legisladores, devem observância.
Não é pelo fato de ser o cargo de livre nomeação e exoneração que o parlamentar pode fazer dele o que quiser. Há os princípios constitucionais, que são NORMAS, obrigam, vinculam. É vedado o nepotismo (contratar parentes para o serviço público) em todos os poderes e esferas do estado brasileiro. É importante destacar a súmula vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal. Tamanha é a força dos princípios que a súmula seria até dispensável. Mesmo assim, viu-se a necessidade de editá-la. Mas os princípios continuam sendo desrespeitados.
Parlamentares ignoram a Constituição. Praticam o nepotismo cruzado, um ajuste de nomeações recíprocas. Um nomeia parente do outro. O STF foi criterioso e também o vedou. Eles brincam com a soberania popular: o poder emana do povo. Este é o princípio republicano. Brincam com o dinheiro público e, por conseqüência, com o povo.
Comportamento contrário aos preceitos constitucionais e a súmula evidentemente viola a moralidade e a igualdade. Penso que nem precisa definir ou conceituar esses princípios, por serem auto-explicativos. Configura ato de improbidade, conduta indecorosa, imoral, antiética. Talvez seja necessário comentar um pouco sobre o princípio da impessoalidade, de cujo nome não se extraem o seu significado e todas as suas implicações.
O que será dito aqui serve tanto para as nomeações aos cargos em comissão quanto para a distribuição das passagens aéreas.
O princípio da impessoalidade é valor que se impõe num Estado Democrático de Direito, sob pena de se legitimar adoção de privilégios e a mistura do público com o privado.
Ele se revela sob duas perspectivas: a primeira se mostra compreensível na norma reproduzida abaixo, em sua última parte. Acompanhemos.
Art. 37, § 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Na publicidade de atos de governo, é vedado associá-la aos governantes ou servidores. Todos os atos emanados do Poder Público são atribuídos ao Estado e nunca ao servidor que os editou.
A outra perspectiva do princípio da impessoalidade é a atuação do estado se dar sempre de modo a evitar preferência, privilégio às pessoas. Trata-se de estrito cumprimento do princípio da igualdade. É em decorrência deles que existem os concursos públicos e as licitações, por exemplo, de modo que as escolhas sejam feitas com base em critérios objetivos, nunca arbitrários ou subjetivos. Isso é como deve ser! Nem sempre é. No Legislativo, quase nunca.
Esta é bem importante ao Senado, que é, como vimos, a casa da federação. É preciso avisar aos nobres senadores que existe uma vedação de natureza federativa que contempla também o princípio da impessoalidade. Vejamos:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Podemos notar que a junção das primeiras letras de cada princípio do art. 37 forma a palavrinha LIMPE. Desse modo, como não tem havido observância desses valores pelo Poder Legislativo brasileiro, vamos fazer um SANEAMENTO lá nas próximas eleições, porque aguardar o Conselho de Ética não parece ser decisão acertada. Nem integrantes tem o bendito conselho do Senado Federal. Aguardar a ação do Ministério Público e da Justiça também não se mostra uma decisão razoável, dadas a inoperância e morosidade de ambos. A soberania popular deve resolver isso, votando–se melhor. Por fim, só mais uma pergunta. Que legitimidade tem o Poder Legislativo de realizar a sua atividade típica de fiscalizar os atos administrativos do Poder Executivo se a sua vida administrativa é uma balbúrdia?
Espero ter ajudado.








O QUE É DIREITO? Inauguro o blog com esse desafio que fiz aos meu alunos. Elaborei o meu conceito.

O Direito, concebido para a pacificação dos conflitos sociais, deve ser compreendido como um processo que não se encerra no conceito tradicional de um conjunto de normas que rege a sociedade. Não se trata de um fenômeno estanque, adstrito ao chamado Direito Positivo, simplesmente como resultado da produção estatal. Trata-se um processo mais complexo em que são considerados diversos fatores. A sua gênese, como se sabe, é o seio da sociedade em que as relações humanas se desencadeiam, surgindo dessa realidade a percepção dos comportamentos consentâneos com o valor de justiça universalmente aceito. As condutas inadequadas são igualmente reprovadas até pelo senso comum dos indivíduos. Assim, a partir do juízo de valor realizado pela própria sociedade, impõe-se ao legislador a elaboração da norma que deverá reproduzir verdadeiramente o sentimento do povo, os valores éticos e de Justiça, haja vista que vivemos numa res publica (coisa pública). Do contrário, as normas careceriam de legitimidade democrática. Além dessa perspectiva, as normas jurídicas, especialmente as constitucionais, devem possuir potencialidade de eficácia social, de modo que possam ser garantidas efetivamente aos cidadãos. Não se pode, portanto, admitir as normas como simples promessas inconseqüentes. Não encerra aqui a verificação da realidade jurídica. Cabe ao Poder Judiciário aplicar estas normas ao caso concreto, afastando aquelas que não se ajustam ao conceito maior de Justiça ou tidas como inconstitucionais, na medida em que violam valores e direitos fundamentais. Desse modo, nas decisões judiciais e na Jurisprudência, uma dimensão importante do conceito de direito também está presente. Reconheça-se que o alcance ao ideal maior do Direito, que é a Justiça, não é tarefa das mais fáceis, mas é esse desafio que deve inspirar os estudantes, profissionais do direito, bem como toda a sociedade, configurando esta busca o exercício da verdadeira cidadania.